A receita vencedora dos atletas bisavós
Sedentários que começaram a praticar exercícios com regularidade
depois dos 50 anos mostram que é possível enfrentar a terceira idade
com vigor físico e qualidade de vida
08 de setembro de 2012 | 22h 38
SÃO PAULO - Daphinis de Lauro, de 88 anos, Mitiko Nakatani,
de 80, e Ivone Ramos, de 70, são bisavôs saudáveis e de bem
com a vida. Eles trilharam caminhos parecidos até atingir um vigor
invejável para pessoas da terceira idade - abandonaram o
sedentarismo depois dos 50 anos, abraçaram uma atividade física e
não pararam mais. Daphinis participa de campeonatos de natação há 13
anos. Mitiko, uma celebridade entre os corredores de rua, disputa
provas há 23. Ivone começou a treinar natação 18 anos atrás, mas nos
últimos 2 migrou para as corridas de rua. A receita dos atletas
bisavôs inclui uma rígida rotina de treinos cinco vezes por semana,
alimentação controlada e uma constatação: nunca é tarde para
começar.
Razões não faltam para cair na malhação. Estudo divulgado neste ano
pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, indica que o
sedentarismo estava relacionado a 5,3 milhões de mortes no mundo em
2008, pelo fato de ser um facilitador do desenvolvimento de diabete,
hipertensão, obesidade e até determinados tipos de câncer. O número
representa 9% das mortes anuais causadas por doenças crônicas não
transmissíveis do planeta, perdendo apenas para o tabagismo.
Classificado há dez anos como doença pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), o sedentarismo tem impacto maior na terceira idade. "O
envelhecimento é um processo natural, mas é preciso se preparar com
antecedência", afirma Sandra Matsudo, especialista em medicina
esportiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora de
vários trabalhos que relacionam envelhecimento e atividade física.
Segundo Sandra, o corpo começa perder o vigor
a partir dos 30 anos. Entre os 50 e 60 anos, a perda de massa
muscular é acentuada, principalmente nos membros inferiores,
afetando as articulações e o equilíbrio.
A atividade física nessa faixa etária
fortalece o sistema cardiovascular e combate a osteoporose. "Praticar
exercícios é como fazer uma ‘poupança’ da saúde do corpo", diz.
A
maioria, porém, só passa a se mexer quando as doenças crônicas
começam a se manifestar. Foi o que aconteceu com Mitiko.
Até os 54 anos, ela vivia à base de remédios e
calmantes para aplacar as dores nas costas e as crises de
hipertensão que tornavam sua vida um inferno. Por
recomendação médica, começou a caminhar. No início, uma volta no
quarteirão por dia. Aos poucos foi aumentando a distância até que
alguém sugeriu que começasse a correr. Indicada por um sobrinho,
passou a treinar com o técnico Wanderlei de Oliveira, um dos maiores
especialistas do País. Mitiko tinha na época
57 anos. "O efeito mais visível no início foi a melhora da
autoestima", diz Oliveira. "Ela ajudou a
derrubar o mito de que a idade é um fator limítrofe para a prática
de atividade física."
Mitiko diz que enfrentou preconceito. "Quando comecei a treinar em
pista, os jovens diziam que eu atrapalhava, que ali não era lugar
para uma idosa", conta.
Com acompanhamento, ela entrou no circuito de provas de pista e de
rua (3 km, 5 km e 10 km) que a credenciou a voos mais altos. Das
três maratonas internacionais que disputou,
venceu duas na sua faixa etária. Seu currículo inclui o
bicampeonato mundial master,
dez vitórias consecutivas na tradicional prova
da São Silvestre e o recorde brasileiro
dos 800, 1.500 e 3.000 metros. Além de treinos técnicos,
Mitiko - um casal de filhos, três netos e um bisneto - faz
musculação e hidroginástica. No ano que vem, ela pretende
abocanhar o tri do mundial master, que será disputado no Brasil.
Ivone tinha 51 anos quando começou a praticar exercícios, também por
necessidade. Mas aproveitou o conselho do médico vascular de incluir
a natação no tratamento de varizes para lançar um desafio a si
própria: o de aprender a nadar. "Queria usar a piscina de meu filho
e não podia, pois era funda", conta. "Fiquei um ano tendo aulas num
tanquinho. Aprendi e, quando tive segurança, parti para o
treinamento sério."
Em pouco tempo, Ivone passou a competir em torneios master de
natação, acumulando vitórias e recordes pessoais durante 17 anos.
Sua rotina incluía musculação e esteira. Em busca de novos desafios,
decidiu trocar a natação pela corrida de rua. Em dois anos, já
completou cinco meias maratonas - na última delas, há um mês, foi a
campeã na sua faixa etária. Mãe de um casal de filhos, Ivone tem
cinco netos e dois bisnetos. Aparenta bem menos a idade que tem,
treina seis vezes por semana - dois deles na piscina - e reclama que
é a única da família que pratica exercícios. "Falei para o meu
filho, que acaba de fazer 52 anos, que comecei na idade dele. Ainda
dá."
Carga. Daphinis praticou atletismo na juventude, mas caiu no
sedentarismo depois que começou a trabalhar como autônomo. Ele só
saiu da mesmice aos 56 anos, quando passou a nadar à noite numa
academia perto de casa, sem maiores pretensões ou acompanhamento.
Aos 75, mudou de bairro e de academia, matriculando-se na
Competition, onde foi estimulado a treinar sob supervisão de
especialistas.
Ele admite que enfrentou preconceito de amigos próximos, que
consideravam a carga de treinos pesada para sua idade. "Falavam que
fazer exercício é muito chato, uma perda de tempo para quem é
velho", diz. Daphinis lamenta que todos eles já tenham morrido.
"Eles se foram e ainda estou aqui."
Disciplinado, Daphinis acumulou mais de 50 medalhas em provas e
ainda conseguiu arrastar a família para a prática de exercícios. A
mulher, de 84 anos, nada e faz musculação. O mais velho dos cinco
filhos, hoje com 64 anos, compete em provas de 3.000 m e 5.000 m em
mar aberto. Além deles, uma nora, um neto e uma neta também malham
na mesma academia. E espera um dia acompanhar os três bisnetos. "Já
fiz proposta de me mudar para cá", brinca. Daphinis reclama não ter
ninguém de sua faixa etária (85 a 90 anos) disputando provas master
de natação. "Meu adversário sou eu", diz.
Invasão nas academias. Um levantamento da Associação Brasileira de
Academias (Acad Brasil) mostra que 30% dos frequentadores têm mais
de 60 anos de idade - o equivalente a um exército de 1,8 milhão de
pessoas. Há dez anos, essa proporção não chegava a 5%. No início da
década, de acordo com a Acad Brasil, a hidroginástica era a
atividade mais procurada por esse público. Aos poucos, pilates e
alongamento passaram a ter seguidores.
Nos últimos cinco anos, porém, a procura pela musculação cresceu de
forma desproporcional, por conta da orientação médica. Esse boom
surgiu depois que um estudo do American College of Sports Medicine
concluiu que a atividade com sobrecarga pode conter o avanço da
osteoporose. / COLABOROU MARIANA LENHARO
RECOMENDAÇÕES
- Mexa-se: qualquer exercício é melhor que nada. Não espere surgir
inspiração ou arrumar tempo para sair da letargia.
- O que fazer: a melhor atividade física é a que lhe dá prazer e
entra mais fácil na sua rotina.
- Pacote completo: não adianta iniciar uma atividade física regular
sem mudar os hábitos alimentares e de vida.
- Doenças crônicas: se você é hipertenso, diabético ou tem
cardiopatia, é recomendável conversar com o médico antes de sair
malhando.
- Evite abusos: prefira caminhada, musculação ou natação no início,
atividades que estimulam os músculos e o sistema cardiovascular.